TEMPO

Certeza alguma é certa em definitivo. Olha o Tempo, tido como absoluto na  exatidão de seus sucessivos minutos. Até Einstein dizer que nem tanto, se posto em relação física com espaço, massa, energia e suas circunstâncias.

Assumo portanto a certeza relativa que o Tempo começou há uns 14 bilhões de anos, ao bater da 1ª hora, jocosamente chamada big-bang  pelo estrondo que até hoje ecoa no espaço. Quando tudo que existe tornou-se possível. Como a terra, há 4,5 bilhões de anos, e os primeiros organismos, um bilhão de anos depois dela.

Os quais organismos, ao longo de 3,5 bilhões de anos foram tecendo formas e mais formas de vida até produzir – 2,5 milhões de anos atrás (note o salto de bi para mi) – os modelos daqueles que mais tarde viriam a ser, feitos e acabados, os primeiros exemplares  do gênero homo, entre eles – ultimado há cerca de 200 mil anos (note o salto de milhão para mil) – os nossos ancestrais diretos.

E lá fomos nós, além da África, Ásia e Europa adentro, na rota  dos homo que nos tinham precedido. Até, há cerca de 70 mil anos – quando, no que alguns divertidos narradores chamam de big birth –   soltamos e sofisticamos a língua e nos tornamos modernos de vez. Tal qual somos hoje, sem tirar nem pôr. Os últimos chegados, sapiens atropeladores e  únicos humanos a sobreviver.

Demoramos pouco menos de 4 bilhões de anos para acontecer,  nos bastaram uns 60 mil para tomar conta do planeta  e breves 12 mil para enchê-lo de  cidades. Há 500 (note o salto do milhar para a centena) acionamos uma revolução atrás da outra: a científica, a industrial e finalmente (e passamos  da centena para a dezena), a tecnológica.

Percebem como o homem continua o mesmo e o Tempo não é mais aquele? Já passamos do ano para o mês. Passaremos do mês para a dia? Sei não, daqui a pouco a criança nasce e já fica pra trás do tempo que seria seu. Sem presente, portanto, se “antigamente” significar “ontem”. Ou teremos dois Tempos correndo em dimensões paralelas, a humana e a tecnológica?

Reflexão de um homem velho, certo. Mas a questão é esta: quem, mesmo hoje, pode se dizer jovem, em sintonia com todas as propostas do “seu” Tempo?

(Nestore  – 24.04.16 – leia e escreva no Blog Convidas)

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A Vida é para Todos

Estudo e monitoramento de animais silvestres em ambientes naturais comportam o encontro de casos carentes de cuidados como medicação, exames,  quarentena, regularização de posse. E de casos cujo socorro, infelizmente, levará ao cativeiro definitivo.

O PRIMAVES – Centro de Acolhimento de Primatas e Aves –  surgiu em apoio a uma atividade de estudo das populações de primatas do Rio Grande do Sul (EPRIM – ICB/UPF). Sua função seria a de abrigar indivíduos sem mais condições de voltar à natureza encontrados no âmbito das expedições da EPRIM (Equipe de Primatas). A abertura do Centro, entretanto, logo atraiu uma demanda latente e difusa. Ao primeiro acolhimento, em 10.08.2004, seguiram-se solicitações provenientes dos mais diversos lugares, agentes e circunstâncias. E o PRIMAVES acabou adquirindo características de local aberto ao abrigo de animais encaminhados, em boa parte, em razão de apreensões por crimes como caça, contrabando e maus tratos, ou por irregularidades como posse ilegal e precariedade de custódia. Uma razão suficiente para que fosse criada a CONVIDAS (Associação para Conservação da Vida Silvestre), que daria cobertura jurídica e administrativa ao empreendimento.

Tanto as decisões iniciais como a natureza da atividade carregam, além de implicações administrativas e financeiras, questionamentos de ordem ética e técnica, do tipo: qual o sentido de uma atividade como a do PRIMAVES? Por que socorrer indivíduos que, afinal, uma vez  postos à margem de seu bando e de seu habitat não farão falta alguma, e que pertencem, de qualquer modo, a grupos sempre mais reduzidos pela perda de espaços naturais?

Bom, uma vez lembrado que a pergunta faz exatamente todo ou nenhum sentido também no caso humano, a resposta parece óbvia: vale a pena socorrer estes animais simplesmente porque se trata de indivíduos vivos. É esta a tese: antes de mais nada e em todos os casos; seja qual for a espécie, a eventual função ecológica ou biológica a ela atribuídas; acima de curiosidades científicas e de  envolvimentos sentimentais vale o fato que aquilo e aquele que existe veio para viver, para ser. O fato da vida encaminhar inevitavelmente para a morte não autoriza ações conscientes que a impedem de ser nem recusas de sustentação pelo tempo que lhe pertence.  Viver é a razão essencial da vida. Direito básico de todo organismo. Não perguntamos por que algo ou alguém existe nem se deve continuar existindo. Eventualmente, perguntaremos como este algo ou este alguém veio a existir e para que existe, dando por indiscutível a premissa de que toda vida, antes de mais nada,  seja qual for o perfil genético, veio  para ser vivida.

O homem, dos últimos a pisar na cena da existência, tomou conta do palco e distribuiu, para seu uso, prazer e consumo, papeis e funções e representações aos demais atores. No caso dos animais, trouxe uns para dentro de casa e os fez domésticos, destinou uns ao trabalho e os fez domesticados, prendeu e treinou, exibiu e caçou outros para distração,  entretenimento e alimentação, outros, ainda, confinou e melhorou para fins de abate e reprodução; e de mil maneiras dificulta a existência àqueles que por tamanho, hábitos ou aspecto conseguem sustentar a liberdade ou nunca  chegaram a chamar-lhe a atenção.

São casos infelizes desta última categoria que o PRIMAVES acolhe e a CONVIDAS mantém.

O Primaves – localizado na Vila do Distrito de Bela Vista, em Passo Fundo – pode ser visitado nas tardes do 1º e do 3º sábado do mês. Toda visita é guiada por pessoal local e a visita de grupos requer agendamento: tel. (54) 3198 3450;  (54) 9687 0110; e-mail: primaves@convidas.org.br

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Natureza Urbana

Para figurar a ideia do estranhamento surgido entre o mundo dos homens e o mundo da natureza recorro à marcha migratória do homem do campo nos anos 60 e 70, quando a cidade esvaziou o campo, o modo de produção da fazenda absorveu o modo de produção da colônia, a monocultura alastrou-se sobre a pequena propriedade e o camponês abandonou o seu canto.

O que terá marcado a consciência daqueles migrantes se não a angústia de deixar um ambiente natural familiar e previsível para entrar num ambiente urbano mal conhecido e imprevisível?

A imagem pode ser transferida para o contexto do afastamento entre homem e natureza. Novos modos de viver tornaram-se responsáveis por uma gradual deterioração ambiental sob forma de monoculturas arbóreas e agropecuárias, dióxido de carbono, eliminação de espécies, devastação de florestas e por uma difusa incerteza acerca das respostas do meio ambiente a tudo isso, sob forma de  imprevisibilidade  atmosférica e climática, fenômenos antes quase amigáveis na regularidade de seu comportamento.

Não faltam incertezas, mas é certo que agredimos a atmosfera, modificamos o clima, e que temperaturas e precipitações  tendem para índices extremos. Podemos achar que tais fenômenos já ocorreram em outros tempos e talvez sejam coisa da ação autônoma de forças naturais. Mas é difícil nos livrar da percepção que em boa parte são mesmo produto de nossos hábitos, de nossa economia e  forma de vida. No âmbito da gestão pública, pelo menos, qualquer insinuação contrária soará como ecologicamente incorreta. Governos do mundo inteiro  admitem os inconvenientes de um desenvolvimento desvinculado de seus efeitos ambientais e sociais.

O desafio é o da restauração de vínculos rompidos, a começar pela cidade enquanto síntese da aventura humana, habitat que exclui o modo natural de ser pela instalação do modo humano de viver, onde tudo é feito pelo homem em função do homem e as próprias lutas ambientalistas refletem  a preocupação do homem em relação a si mesmo. Não se trata mais de preservar um ou outro recanto verde de valor mais simbólico e nostálgico que ecológico, mas de restabelecer sobre o território ocupado plenas condições de biodiversidade e funcionalidade ambiental.

Não será o caso de centralizar o pedaço de planeta que habitamos como objeto prioritário de sustentabilidade no lugar do desenvolvimento que conhecemos?  Até  os gastos termos sustentável e derivados poderiam recuperar algum sentido.

(Nestore Codenotti – 11.04.16)

 

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